Tyffanny D Primo é uma mulher trans que saiu de Canhotinho, no Agreste de Pernambuco, onde chegou a pedir esmolas, para viver uma vida de luxo na Europa.
Tyffanny atualmente mora na Bélgica e trabalha como modelo. Confira a história dessa guerreira:
Meu nome é Tyffanny D Primo, tenho 30 anos, sou natural de São Paulo, mas fui criada em Canhotinho, em Pernambuco, pela minha avó, Maria Romilda. Meus pais se separaram e aos meus 8 meses de idade já fui morar com a minha avó em Canhotinho. A minha infância não foi tão boa. Tive bons momentos e momentos de “perrengue” também.
Meu avô era pedreiro, bebia muito (álcool) e, nos dias em que ele bebia, chegava em casa e derrubava toda a comida feita pela minha avó e eu fui crescendo vendo essa violência.
Eu cheguei a pedir esmolas nas ruas de canhotinho dia de sábado para minha vizinha, dona Madalena, fazer comida pra mim e eu levava pra casa. Dona Madalena era uma senhora maravilhosa. Até hoje tenho lembranças boas dela. No período que eu era pedinte, passava nas ruas da Cohab, no centro social, enfim, quase canhotinho em peso eu passava pelas portas. Nos sábados, dias de feira, eu chegava a ganhar aqueles frangos mortos, já roxos, meio verdes, que morriam devido o calor, mas comíamos do mesmo jeito.
A minha infância foi cheia de sonhos. Eu era muito estudiosa, inteligente, meu sonho, aqueles tempos, era de ser professora. Vivia na biblioteca da cidade, ao lado do Banco do Brasil. Vivia nas portas das secretarias municipais pedindo sempre livros, montava muitas tarefas e ia mimiografar tarefas para ensinar às outras crianças.
Preconceito? Sim, muito, sofri muito. Em canhotinho, quando criança, me chamavam de Maria, fresquinho etc. Os moleques me esperavam na saída da escola pra me bater, mas tudo isso que passei e que vivi me tornou a pessoa forte que sou hoje.
Aos meus 13 anos voltei a são Paulo. Tive que carregar latas de concreto nas costas ajudando o meu avô e estudava à noite. Depois fiz um curso e me tornei uma cabeleireira. Comecei a trabalhar como auxiliar de cabeleireira e, ao decorrer dos anos, fui me aprimorando. Aos meus 17 anos eu reencontrei com a minha mãe, depois de 16 anos sem saber quem era. Eu não tinha contato, nunca nem tinha visto. Eu já era uma mulher trans.
Comecei a transformação aos meus 15 anos, mas desde pequena eu já me sentia uma menina. Depois que reencontrei a minha mãe, ela me convidou para viver com ela. Eu já trabalhava no salão e, depois de um mês de convivência, eu não poderia mais ficar na casa dela e tive que sair de lá, tipo, fui rejeitada pela segunda vez por ela, por conta de serem evangélicos e não poder compactuar com a minha condição… isso ficaria feio para eles, por serem evangélicos e aceitar uma filha Trans.
Minha cabeça foi a mil, passaram muitas coisas além de toda a minha trajetória e luta até o exato momento. Sem saber para onde ir, conheci uma pessoa que abriu as portas da sua casa e me acolheu. Eu cai no mundo das drogas e da prostituição, por achar que essa vida não era pra mim, mas falo isso por cima, porque foram muitas coisas mesmo que vivi. Eu apenas estou resumindo. Eu ficaria aqui dias falando sobre a minha vida (risos).
Foi então que apareceu a oportunidade de vir à Europa. Vim pagando um valor super alto no tempo e hoje vivo na Europa. Graças a Deus vivo super bem, segura, longe de preconceitos e violências e conquistei o meu lugar e o respeito de todos.
Hoje ajudo a minha família e a mim, sempre que posso ajudo outras pessoas também e hoje sou essa pessoa guerreira, batalhadora e, além de tudo, vencedora.
Sou vencedora sim, porque venci, não que eu esteja isenta de tudo, mas posso garantir que a luta é menos que antes e, aos meus 29 anos, decidi ter um filho, para doar todo o meu amor e carinho que não tive da minha mãe biológica. Doar todo carinho e amor que a minha avó, que é minha mãe 3 vezes, me deu. Falo 3 vezes porque ela sim foi a mãe, o pai e a avó. Só ela sabe o quanto sofreu como agricultora, limpando mato, plantando feijão, milho, para nos manter. Ter que acordar cedo junto com o meu avô para ir à roça e só chegar à tarde em casa. Passar dias de chuva e sol ter que descansar em ranchos e ela nunca quis que eu passasse por isso, porque ela sempre quis que eu terminasse os meus estudos para ser alguém na vida, alguém que ela falava era professora, doutora ou até mesmo advogada, mas como sabemos bem que no Brasil e em lugar algum mulheres trans tem oportunidades. É muito difícil você ver uma trans trabalhando em um caixa dos supermercados, você não vê uma mulher trans sendo gerente de bancos.
Hoje é mais fácil das pessoas aceitarem mais ninguém quer dar empregos, enfim, hoje sou essa pessoa que sou, graças a Deus primeiramente, e, segundo, à minha avó (Mãe) que me ensinou a não desistir e a correr atrás dos meus sonhos.
TV Replay, o que é bom se repete!