‘A gente sabe que o vírus sobrevive no cabelo e na barba. Tanto é que, entre os EPI usados por profissionais de saúde, estão a touca e a máscara’, disse a médica Eliana Bicudo
Durante mais de 20 anos, o empresário e condutor ambiental Flávio Moreira Barbosa, 49 anos, via sempre, ao se olhar no espelho, a imagem de um cara barbudo. Deixava a barba crescer até a namorada começar a reclamar, para, enfim, apará-la, dizendo que não a tirava completamente por se tratar de uma promessa. A preocupação com o novo coronavírus, no entanto, fez com que Flávio abandonasse a barba antes mesmo de a promessa ser cumprida.
“Comecei a cogitar tirar a barba ao ver algumas matérias jornalísticas com infectologistas dizendo que ela aumenta o risco de contaminação pela Covid-19”, disse à Agência Brasil. Segundo ele, a decisão não foi imediata porque, em outras matérias jornalísticas, havia especialistas que diziam o contrário. “Via das dúvidas, optei por tirar. Afinal, é uma segurança a mais”.
A decisão de Flávio foi acertada, segundo a médica Eliana Bicudo, assessora técnica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “A gente sabe que o vírus sobrevive no cabelo e na barba. Tanto é que, entre os equipamentos de proteção individual (EPI) usados por profissionais de saúde, estão a touca e a máscara”, disse ela.
Segundo Eliane, o maior problema da barba está relacionado ao uso da máscara de proteção, uma vez que dificulta a vedação no rosto. “A máscara precisa estar bem firme, vedada e ajustada ao rosto. Com barba, isso, no mínimo, fica difícil. Por esse motivo, os profissionais que lidam com a Covid-19 não podem ter barba”, acrescenta.
Aparentes contradições
Sobre o motivo de alguns especialistas terem minimizado o risco, conforme Flávio, a infectologista explica que essas aparentes contradições ocorreram no início da pandemia, quando não se vislumbrava a necessidade de uso constante de máscara, algo que tem sido cada vez mais indicado.
De acordo com Eliana, o cidadão comum até pode ter barba, mas é fundamental que tenha ciência de que ela dificulta uma vedação adequada da máscara. “Além disso, quem não tem hábito de usar mascara fica toda hora colocando a mão nela para ajustá-la ao rosto, e isso é ainda mais comum no caso de pessoas com barba. O risco é grande porque, se a mão estiver contaminada, contamina também máscara, barba, boca”, diz.
De fato, o uso da máscara incomodava o Flávio, quando ainda tinha visual barbudo. “Era difícil mantê-la colada ao rosto. A todo momento, eu tinha de ajeitá-la”.
A vulnerabilidade maior, segundo Eliana, é na lateral do rosto e na parte abaixo do queixo. Quando a barba é mais fina e limitada aos arredores da boca, o risco é menor, caso a máscara contorne em 360 graus os pelos.
Máscaras
No caso de quem está com a doença ou no dos assintomáticos, o ideal são as máscaras cirúrgicas ou a N95. A de pano é recomendada para a população, na tentativa de funcionar como mais uma barreira contra o vírus.
Uma pessoa doente tem de estar atenta para trocar, tanto a máscara cirúrgica quanto a de pano, a cada duas horas, porque estudos mostram que as gotículas atravessam a máscara, quando já molhada por causa de tosses, espirros ou mesmo por causa da fala.
“A gente sabe que a transmissão se faz por gotículas, que ficam no ambiente após falas, espirros ou tosse, e por contato. O vírus sobrevive por longo tempo nessas gotículas”, explica a infectologista ao destacar que não apenas os barbudos, mas todos têm de estar atentos principalmente à higienização das mãos e à distância mínima de 1 metro entre as pessoas.
“Largadões” preocupados
Como trabalha com turismo, Flávio está sempre conversando com pessoas, tanto de fora quanto do interior do estado. Dono da Destino Adventure – empresa localizada no município de Porto Nacional, a 64 quilômetros de Palmas, no Tocantins, que faz pacotes turísticos para regiões como Jalapão, Ilha do Bananal e algumas unidades de conservação – ele diz perceber que muitas pessoas tiveram preocupação similar à dele e acabaram deixando de adotar a barba como visual.
“O povo que, a meu exemplo, anda muito no mato tende a ser mais largadão e costuma deixar a barba crescer. No entanto, na medida em que o vírus foi avançando, vi cada vez menos pessoas com esse visual. No nosso grupo de whatsApp, pelo menos dez deles já tiraram a barba por precaução”, conta o condutor ambiental.
Flávio diz que não foi fácil a mudança de visual. “Foram mais de 20 anos usando barba. Já fazia parte do meu rosto. Realmente, a preocupação falou mais alto porque é uma doença assustadora. Por mais álcool em gel que a gente passe, continuamos vulneráveis. Foi uma decisão difícil, porém necessária”, disse ele após a reportagem informá-lo de que os especialistas consultados pela Agência Brasil chancelavam sua decisão.
“Claro que agora, ao olhar no espelho, acho estranho. Pareço outra pessoa. Mas o lado bom é que, além de menos vulnerável à doença, pareço agora mais novo”.
Por Agência Brasil